Abstinência pode ser uma tarefa difícil, mas os rotíferos da classe Bdelloidea , têm conseguido sobreviver sem sexo por aproximadamente 50 milhões de anos.
Cientistas acreditam que finalmente descobriram o segredo do sucesso desses animais microscópicos: recombinando os próprios genes de novas maneiras e roubando genes de outros organismos que vivem próximos, os rotíferos mantiveram a diversidade genética viva e saudável, mesmo sem um DNA de um parceiro.
“Esse animal perdeu sua sexualidade”, disse Olivier Jaillon, co-autor do estudo, do Institut de Génomique Du CEA, na França.
Jaillon disse que os resultados do estudo concederam um dos momentos mais raros da sua carreira, quando ele realmente sentiu que havia descoberto algo.
Mistério da reprodução
Os rotíferos Bdelloidea são animais multicelulares microscópicos, que olham e se movem como sanguessugas (“ bdelloid ” é a palavra grega para sanguessuga). Eles vivem geralmente em águas frescas, solos úmidos e também em outros ambientes úmidos. Esses pretensiosos animais têm alguns superpoderes muito legais: eles podem suportar longos períodos de seca e também sobreviver a altas doses de radiação, que mataria praticamente todos os outros seres vivos.
Tirando essas peculiaridades, os rotíferos bdelloidea são sobretudo conhecidos no campo da pesquisa científica mundial pelos seus 40 milhões de anos sem reprodução sexuada. Embora os biólogos suspeitem que esses animais nunca tenham se reproduzido sexualmente (eles geralmente se reproduzem por meio de uma via assexuada, conhecida como partogênese), essa afirmação permanece controversa por várias razões.
Uma das finalidades principais da reprodução sexual consiste em proporcionar uma fonte contínua de diversidade genética e não deixar que mutações prejudiciais se acumulem. Uma vez que esses rotíferos foram um sucesso evolucionário, os cientistas descobriram que é difícil acreditar que os animais não estavam se reproduzindo sexualmente.
Embora a reprodução sexuada seja muito benéfica, não é fácil: o tempo gasto para encontrar um companheiro prejudica o tempo que o animal tem para encontrar comida ou se esconder dos predadores. Também não existe garantia de que os filhos se adaptarão bem ao ambiente, assim como os pais o fizeram.
No entanto, apenas porque a reprodução sexual em rotíferos bdelloidea nunca tenha sido observada antes, não quer dizer que isso nunca aconteceu.
Para resolver essa questão, Jaillon, junto com Jean-François Flot, Karine Van e colegas da Universidade de Namur, na Bélgica, focaram seus esforços em uma espécie particular de rotífero bdelloidea , o adineta vaga . Essa espécie é fácil de criar em laboratório, e estudos anteriores já tinham indicado que ela tinha uma dos menores genomas de qualquerbdelloidea , o que poderia facilitar o trabalho dos cientistas ao fazer a sequência genética.
O resultado da sequência genética não foi exatamente o que os pesquisadores previam. “Nós todos ficamos surpresos pela estrutura do genoma, nada parecido já havia sido observado antes”, disse Flot, cujo estudo foi publicado no periódico Nature.
O genoma do adineta vaga tem uma série incomum de características que, em conjunto, fizeram com que fosse basicamente impossível que os rotíferos se reproduzissem sexualmente.
O animal tem modificações que fizeram com que seus cromossomos (ou moléculas de DNA) não fossem idênticos, caso que também não é usual no reino animal. Isso significa que as células sexuais do animal não puderam completar uma fase fundamental da meiose (ou divisão celular), conhecida por crossing over , em que cada cromossomo se emparelha com o parceiro e eles trocam porções de DNA. Os genes presentes em cada cromossomo foram embaralhados em todo o genoma, o que significa que os cromossomos dos rotíferos não são iguais o suficiente para se emparelhar para o crossing over .
Van Donink disse que os cromossomos do adineta vaga tinham muitas das mesmas características genéticas do cromossomo Y do ser humano, que também não passa pelocrossing over . Esta semelhança ajuda a confirmar que este passo não acontece e esses rotíferos bdelloidea não são capazes de se reproduzir sexualmente.
Missão para Marte?
Embora o adineta vaga não possa se valer do crossing over para se proteger de mutações prejudiciais, ele usa um método similar para embaralhar seus genes. E, assim como todos os bdelloidea, o adineta vaga é um conhecido ladrão de genes. Sua sequência genética revela que 8% dos seus genes são provenientes de de ‘não-animais’ como procariontes e fungos. Isso, junto com a habilidade de embaralhar genes, irá provavelmente manter o rotífero vivo por pelo menos outros 40 milhões de anos.
“Por causa dessas incríveis habilidades de sobrevivência, e, pelo fato que, sendo assexuado um único indivíduo consegue começar uma população inteira, eu não me surpreenderia se os rotíferos bdelloidea fossem capazes de sobreviver a viagens espaciais e colonizar outros planetas, como Marte”, disse Flot.