O CENÁRIO mundial da agricultura, energia e geopolítica muda rapidamente. Países com maior potencial para produzir energia de forma renovável a um custo baixo e oferta abundante possuem maiores chances de aproveitar as oportunidades do mercado. Com disponibilidade de grandes extensões de terras ociosas, além de clima favorável e elevado grau de avanço em tecnologia agropecuária, o Brasil está em posição privilegiada em relação a outros países produtores.
No entanto, para compensar as vantagens existentes, o Brasil possui problemas estruturais que elevam o preço da energia para os maiores níveis em termos globais. O preço do megawatt-hora (MWh) para o consumidor final é de cerca de R$ 254 no País, enquanto, nos Estados Unidos, é de R$ 133.
No âmbito mundial, o Brasil apresenta a maior participação de energia renovável na composição da matriz energética, com 42,4%, sendo 15,4% de cana-de-açúcar; 13,8%, de hidroeletricidade; 9,1%, de lenha/carvão; e 4,1%, de licor negro das indústrias de papel. Todas estas fontes de energia mostram reais possibilidades de expansão, devido à existência e disponibilidade de fábricas, infraestruturas e tecnologias maduras e lucrativas.
Cada tipo de biocombustível conta com uma característica própria do ponto de vista da origem, uso e teor de energia. Assim, a comparação entre os tipos de biocombustíveis deveria ser feita a partir de seu poder calorífico (quantidade de energia). Nesse sentido, países desenvolvidos, como o caso da Suécia, comercializam combustíveis em dólares por gigajoule (GJ) de energia. No Brasil, no caso da lenha, por exemplo, o mais comum é a transação em reais por metro cúbico.
O biocombustível vale pelo seu teor de energia, não pelo volume ou massa, como calculado no Brasil. A consequência desse problema de precificação da matéria-prima são grandes prejuízos dos compradores, de pequenas padarias até grandes grupos industriais. Esse fato decorre do desconhecimento sobre o valor pago pela quantidade de energia adquirida.
Capitaneado pela agroindústria da cana e florestal, seja por meio da lenha plantada, do etanol ou de outras matérias-primas, o agronegócio brasileiro da bioenergia representa o cartão de visitas frente às outras nações, por gerar novos empregos e renda para a sociedade.
Apesar do baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a demanda por energia cresce no Brasil 3,4% ao ano. Mesmo assim, o ritmo da oferta não acompanha o consumo da população, com pressão nos preços e maior endividamento das famílias. Falta à política pública energética uma visão de médio e longo prazo.
Fazem parte do grupo da lenha as plantações de eucalipto (5,1 milhões de hectares) e de pínus (1,56 milhões de hectares). Ambos são responsáveis por 17% da produção florestal que é utilizada como matéria-prima para energia, sendo o restante destinado para papel, construção civil e indústria madeireira.
A lenha pode apresentar-se na forma de cavaco, carvão, briquete, serragem, acha e torete (pequena tora, de 1,0 a 1,2 metro, usada para transporte).
Aptidão para a bioenergia
A cana-de-açúcar, também usada para a produção de açúcar, teve uma produção de 27 bilhões de litros de etanol em 2013, com um significativo aumento de 13% em relação ao ano anterior. Esta cadeia produtiva emprega mais de 1,5 milhão de pessoas no campo, com geração de desenvolvimento regional nas novas fronteiras agrícolas.
O bagaço da cana também pode gerar muita eletricidade para a sociedade. Embora seja um setor importante da bioenergia nacional, é penalizado pela falta de marco regulatório da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e de uma lei a ser votada no Congresso Nacional para regulamentar o SEB (Setor Elétrico Brasileiro). Com instalações quase prontas, as 440 usinas sucroalcooleiras poderiam gerar energia.
Da oferta brasileira de energia elétrica, a biomassa residual da cana-de-açúcar é pouco aproveitada. A geração de eletricidade pelas usinas sucroelétricas, em 2011, foi de 22,3 TWh (4,7% da demanda), sendo 9,9 TWh para exportação e 12,4 TWh para autoconsumo.
Um grave lapso da política energética brasileira consiste no fato das usinas de cana-deaçúcar não exportarem a energia excedente para o mercado. Como não precisam comprar, nem pagar por energia sobressalente, as usinas auferem importantes economias, que as tornam mais competitivas. No entanto, a exportação de energia poderia ser uma terceira fonte de receita, além do açúcar e do etanol. A conexão entre a usina e o ponto de acesso à rede elétrica faz parte dos investimentos públicos em infraestrutura. Cada quilômetro de rede custa U$ 150 mil e envolve, em cada caso, uma distância entre 5 a 10 quilômetros até o ponto de acesso à rede de distribuição de energia elétrica.
Os resíduos madeireiros das serrarias e sua indústria de transformação, que somam 21 milhões de toneladas por ano, possuem potencial bioelétrico de cogeração de 116,0 TWh, ou 23,3% de toda a demanda do Brasil em 2012, que foi de 498,4 TWh.
O petróleo, com uma participação de 39,2% na matriz primária brasileira, oferece uma gasolina de U$ 1,43/litro, 39% mais cara do que a de U$ 0,87/litro praticada nos Estados Unidos. O Brasil, para crescer e ser viável, precisa de uma saudável e livre economia de mercado, diferente do que ocorre hoje (leia, nesta mesma edição da Agroanalysis, uma análise completa sobre a política brasileira de preços de combustíveis e seus impactos).
Conclusão
Temos um estoque de terra correspondente a um quinto do mundo. O mesmo não acontece em outros países que possuem demanda aguda por energia. Com recursos modestos e clima desfavorável – em muitos casos, registra-se temperaturas de até 30°C negativos durante boa parte do ano –, muitos países são inteligentes e responsáveis em aproveitar bem a matéria-prima disponível para gerar energia, como o caso da turfa, um biocombustível de qualidade muito ruim.
Para o Brasil ser o celeiro mundial em alimento e energia renovável, como promete, cabe aos governos transformarem esse grande potencial em riqueza para a população, pela inserção dessas novas terras na economia, via exportação e geração de divisas.
Com todo esse potencial bioenergético, o Brasil ainda sofre com apagões, racionamentos e uma rede de distribuição sucateada de 120 mil quilômetros; sem contar que, na conta de energia elétrica, 50% são impostos e encargos. Precisamos urgentemente de melhores executivos e estrategistas para colocar em prática este nosso potencial energético existente na biomassa vegetal.
Luiz Vicente Gentil, Professor de Biocombustíveis (lvgentil13@gmail.com);Francisco Faggion, Professor de Engenharia Agrícola (ffaggion@yahoo.com)
Revista Agroanalysis - FGV
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