Um profissional que atua na produção animal, mas que também tem um papel importante em outras áreas, como a preservação ambiental. Essa é a definição que podemos dar ao zootecnista. A carreira tem uma boa diversidade de áreas de atuação e é uma opção interessante para quem quer fazer a diferença no crescimento da economia do País.
A profissão de zootecnista foi criada em 1968, pela Lei n° 5.550. Seu código de ética e deontologia foi estabelecido pela Resolução n° 413/1982 do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que deve ser seguido à risca por quem quer atuar nesse campo. “O conhecimento dos instrumentos legais referentes à profissão é o que garante que direitos e deveres profissionais sejam acatados e cumpridos, permitindo o legal exercício da Zootecnia em toda sua plenitude dentro dos princípios éticos. É importante também que o zootecnista acompanhe e participe ativamente dos projetos de lei em tramitação no Congresso e das consultas públicas dos órgãos fiscalizadores”, explica o zootecnista e presidente da Comissão de Zootecnia do CRMV-SP, Henrique Luís Tavares.
Segundo ele, atualmente estão em tramitação seis projetos de lei ligados à área. Entre eles, se destacam o PL 1323/2009, que cria o Conselho Federal de Zootecnia, o PL 6164/2009, que estabelece a jornada de trabalho e o piso salarial, e o PL 2824/2008, que veda o exercício da profissão de zootecnista aos médicos veterinários e agrônomos.
“Esse último é bastante controverso, pois há uma confusão quanto à Zootecnia como ciência e atividade prevista em lei nessas profissões, e a atribuição do título de zootecnista aos profissionais que não são formados em Zootecnia”, afirma Henrique.
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Empreendedorismo
Assim como em todas as outras profissões, o zootecnista que deseja uma boa colocação no mercado de trabalho deve ser um empreendedor.
“Empreendedorismo nada mais é que a capacidade de uma pessoa identificar e aproveitar uma oportunidade, buscando viabilizá- la por meio do gerenciamento de recursos para transformála em um negócio de sucesso”, explica o zootecnista e gerente do Sebrae-SP, Paulo Marcelo Tavares Ribeiro.
Segundo ele, culturalmente a sociedade brasileira inibe a atividade empreendedora, já que ela implica em correr riscos calculados. “Grande parte da população evita correr riscos. Basta observar a grande procura por carreiras em empregos estáveis, muitas vezes em órgãos públicos. Nossas escolas e universidades acabam refletindo inconscientemente em suas grades curriculares essa tendência. São poucas as que estimulam o empreendedorismo ou colocam em suas grades uma disciplina sobre o tema”, diz.
Para Ribeiro, é fundamental desenvolver o espírito empreendedor do zootecnista ainda na faculdade. Por ser uma profissão relativamente nova, o mercado de trabalho é bastante restrito e competitivo, o que exige do profissional uma boa dose de inovação para competir e prosperar.
“A formação do zootecnista possibilita que ele trabalhe ‘dentro e fora da porteira’, abrangendo uma gama enorme de áreas e atividades na dimensão do agronegócio brasileiro. Desenvolver o empreendedorismo nos estudantes contribui para a geração de oportunidades de negócios, novos campos de trabalho e desenvolvimento do setor agroindustrial”, afirma ele.
Muito além da porteira
Quem pensa que o zootecnista pode atuar apenas diretamente ligado à produção se engana. A sala de aula também pode ser um interessante campo de trabalho para esse profissional. Nas Escolas Técnicas (Etecs) do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, por exemplo, ele trabalha na formação e capacitação de alunos de nível médio.
“Ele pode atuar como professor em 24 cursos e ministrar 120 disciplinas. No site www.cpscetec.com.br/crt, o profissional encontra todos os requisitos de titulação para docência”, explica a zootecnista e coordenadora do curso de Zootecnia da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), Ana Claudia Ambiel Corral Camargo.
Além das escolas técnicas, o zootecnista também pode – e deve – contribuir para a melhora do ensino superior, atuando como professor em instituições públicas e privadas.
“Ele pode trabalhar tanto no próprio curso de Zootecnia quanto em outros cursos das Ciências Agrárias, como Medicina Veterinária e Agronomia, Ciências Biológicas e Agronegócio. O ingresso em instituições públicas é feito por meio de concurso público, enquanto nas privadas segue critérios próprios. De qualquer forma, é necessário ter título de mestre e doutor”, explica Ana Cláudia.
Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC), estão cadastrados no Brasil 171 instituições de ensino superior com cursos de Agronomia, 157 de Medicina Veterinária, 92 de Zootecnia e 75 de Agronegócio.
Bem-estar animal na zootecnia
Quando o assunto é a criação de animais com fins comerciais, há quem ainda associe a atividade à produção máxima em um mínimo de área. “A criação de animais de produção foi por muito tempo embasada simplesmente no preceito da máxima intensificação, enfocando principalmente aspectos inerentes à nutrição, à reprodução e à genética”, diz a zootecnista e professora doutora da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) Andrea Roberto Bueno Ribeiro.
Mas o modelo vem sofrendo várias mudanças, principalmente depois que o tema “bem-estar animal” começou a pautar discussões e até o comportamento dos consumidores de produtos de origem animal. Segundo Andrea, o assunto ganhou destaque não apenas por questões éticas e humanitárias, mas principalmente pelos resultados positivos em termos de produtividade, saúde e qualidade do produto final que esses conceitos podem trazer para a criação animal.
“Atualmente, grandes empresas multinacionais do ramo de alimentação já fazem auditorias em fazendas, granjas e plantas frigoríficas, exigindo um padrão mínimo de conduta e de instalações que promovam maior bem-estar aos animais. Selos de qualidade, manuais de boas práticas agropecuárias e legislações já começam a ser desenvolvidos e, possivelmente em um futuro próximo, barreiras comerciais incluirão em suas exigências padrões mínimos em bem-estar animal”, afirma Andrea.
É importante, portanto, que o zootecnista tenha conhecimento dos conceitos de bem-estar animal e os aplique no desenvolvimento de seu trabalho. “Assim, teremos uma produção moderna, ética e sustentável”, diz Andrea.
Bovinocultura
Maior exportador e segundo maior produtor de carne bovina do mundo, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), o Brasil possui criações de gado em todos os Estados. Embora o setor represente uma proporção considerável da produção agropecuária, o que significa boas oportunidades de emprego para o zootecnista, a competitividade e a exigência por parte do consumidor crescem cada vez mais, e o mercado também enfrenta o desafio de levar sustentabilidade à pecuária. Por isso, o zootecnista precisa estar preparado para atender a todas as necessidades desse novo cenário.
“As cadeias produtivas da bovinocultura de corte e leite são complexas, o que resulta na necessidade de um profissional habilitado para atender desde as exigências de alimentação dos animais, que começa com a escolha da planta forrageira e sua interação com aspectos de solo e clima, passam pelas instalações para abrigo e manejo dos animais, pelo manejo reprodutivo e por todas as etapas do processamento industrial do produto, seja ele carne ou leite, até a chegada ao consumidor final”, explica a zootecnista e professora doutora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Carolina Amália de Souza Dantas Muniz.
Segundo Carolina, a escolha da raça em sistemas de gado de corte ou leite deve estar associada não apenas à qualidade da carne ou ao tipo de leite que se deseja produzir, mas também aos recursos disponíveis, ao mercado em potencial e de como esses fatores interagem entre si.
“O planejamento estratégico e o estudo da viabilidade econômica são competências do zootecnista, que pode decidir a maneira pela qual o sistema atenderá ao objetivo proposto”, diz ela.
Nutrição
Uma importante área dentro da produção e que oferece campo de trabalho para o zootecnista é a nutrição animal. O setor também passa por mudanças e exige atenção do profissional para a atualização de conhecimentos.
Um exemplo disso está na nutrição de precisão. Atualmente, é crescente o número de zootecnistas do setor que compreendem a necessidade de romper com o modelo de programação linear e empregar o modelo não-linear na formulação de rações para se trabalhar com esse conceito.
“O modelo linear, por definir apenas o custo mínimo da ração, não necessariamente irá permitir um lucro máximo, daí sua grande limitação. Como o desempenho desejado é o máximo, logo se observa que, para um sistema de produção mais moderno, há a necessidade da associação com a economia para que a produção se torne mais eficiente, adotando-se modelos de formulação nãolinear de lucro máximo”, explica o zootecnista e professor doutor da Unesp de Araçatuba, Manoel Garcia Neto.
Entretanto, segundo ele, para mudar esse paradigma na nutrição, é necessária a utilização da modelagem matemática que permite a manipulação da curva de crescimento mediante alterações da dieta, do manejo, do material genético e sexo, idade de abate e ambiência, com vistas à obtenção do máximo na lucratividade.
“Já existem, no mercado, alguns softwares livres e comerciais nesse sentido”, afirma Garcia Neto.
Os modelos não lineares, de acordo com o professor, por serem de base mecanicista, apresentam maior complexidade para descrever o desempenho produtivo (equações não-lineares), permitindo respostas mais precisas. “Eles também evitam o inconveniente de se representar de forma linear as respostas que obedecem ao fenômeno dos retornos decrescentes”, diz ele.
Melhoramento genético
Outra área de destaque na atuação do zootecnista, que está em franca expansão e é responsável por boa parte do excelente de-sempenho obtido pelo Brasil no panorama agropecuário nos últimos anos, é o melhoramento genético animal.
Segundo a zootecnista e professora associada da Unesp de Jaboticabal, Sandra Aidar de Queiroz, quem deseja atuar nesse segmento da zootecnia deve conhecer e gostar de genética quantitativa, de genética molecular e de estatística, e conhecer muito bem o mercado e os sistemas de produção em que se insere a espécie a ser melhorada.
“O melhoramento de uma espécie deve ser conduzido dentro de um sistema de produção pré-definido, de tal modo que os genes selecionados sejam os mais adequados a esse ambiente de produção. Em decorrência desse aspecto, que inviabiliza a importação de material genético melhorado para sistemas de produção não adequados às condições tropicais, nas três últimas décadas, vários programas comerciais de melhoramento genético de bovinos de corte se desenvolveram e vêm produzindo ótimos resultados no Brasil”, afirma ela.
Para que esse trabalho fosse reconhecido, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou, por meio da Portaria nº 267/95, o Certificado Especial de Identificação e Produção (Ceip). Trata-se de uma certificação emitida para os 20% melhores touros jovens e novilhas por safra provenientes de empresas que participam efetivamente de programas de melhoramento genético aprovados pelo Mapa. O Ceip também isenta de ICMS a comercialização do animal e permite seu ingresso em centrais de inseminação artificial para coleta e comercialização de sêmen.
Sandra acredita que a iniciativa será importante para a geração de mais oportunidades de trabalho para os profissionais. “A partir desses bons resultados, outros programas de melhoramento genético comerciais vêm se desenvolvendo, principalmente para bovinos de leite, ovinos e caprinos. Todos eles demandam ou demandarão zootecnistas para torná-los viáveis e lucrativos”, diz ela.
O zootecnista e a fiscalização do Mapa
Além de instituições de ensino, empresas e propriedades, outra possibilidade de atuação para o zootecnista está nos órgãos públicos.
O Ministério da Agricultura é um exemplo. Lá, o profissional tem papel decisivo em virtude dos conhecimentos que adquiriu ao longo de sua formação nas áreas de saúde e bem-estar animal, melhoramento genético, biotecnologia, empreendedorismo, associativismo e cooperativismo, economia e administração, reprodução, planejamento pecuário, nutrição e alimentação animal, além de produção e industrialização de produtos.
“O amplo conhecimento do zootecnista nessas áreas o credencia como o profissional que tem como missão primordial, o desenvolvimento sustentável do país. No Mapa, ele desenvolve trabalhos relacionados à fiscalização das empresas fabricantes, importadoras e exportadoras de produtos para alimentação animal, fiscalização das empresas de material genético, fiscalização e fomento de convênios, promoção do agronegócio nacional para o mercado externo, estímulo ao cooperativismo e criação de políticas públicas como forma de impulsionar toda a cadeia do agronegócio, entre outros”, explica o zootecnista e fiscal federal agropecuário do Mapa, Celso Gabriel Herrera Nascimento.
Segundo ele, essa gama de trabalhos tem como objetivo o fortalecimento da ideia de que o Brasil é um fornecedor de produtos seguros e de qualidade tanto para o mercado interno como externo.
Perspectivas na biotecnologia
A Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU definiu a biotecnologia como o uso de conhecimentos sobre os processos biológicos e sobre as propriedades dos seres vivos, com o fim de resolver problemas e criar produtos de utilidade. Mas em uma definição mais ampla, a biotecnologia pode ser caracterizada como o conjunto de técnicas que utilizam organismos vivos ou parte deles para produzir ou modificar produtos, melhorar animais ou plantas e desenvolver animais para usos específicos, o que é mais um importante campo de atuação para o zootecnista.
“Na Zootecnia, a biotecnologia é aplicada em diversas áreas como, por exemplo, para o estabelecimento de dietas funcionais e nutracêuticas que promoverão maior ganho para a saúde do animal”, explica a zootecnista Vera Fernanda Hossepian de Lima.
Entre essas áreas, está a nutrigenômica, ciência que estuda como os nutrientes de uma dieta influenciam a expressão gênica permitindo estabelecer estratégias nutricionais que aumentem a produtividade animal.
“Programas de aquacultura têm dado elevada importância às avaliações genéticas não somente para a ampliação da produção, como também para a manutenção da diversidade genética dos estoques. Estudos genéticos envolvendo marcadores moleculares são utilizados com sucesso na avaliação dos níveis de diversidade genética de diferentes estoques naturais e cultivados de espécies de peixes”, afirma Vera.
O zootecnista também tem papel fundamental na reprodução assistida de animais domésticos e selvagens, atuando principalmente como pesquisador e embriologista. “A utilização dos marcadores de DNA pode ser útil nos programas de melhoramento genético para testes de paternidade e maternidade, e seleção assistida por marcadores. Esses marcadores também são eficientes para rastreabilidade da carne bovina”, diz a zootecnista.
Preservação da fauna selvagem
A atuação do zootecnista nem sempre está estritamente ligada à produção animal para fins comerciais. O trabalho desse profissional também pode ter um viés ambiental, tornando-o um instrumento importante para a preservação de diversas espécies.
O Brasil é considerado um campeão mundial em biodiversidade. O País concentra o maior número de espécies de mamíferos e de peixes de água doce, o segundo de anfíbios, o terceiro de aves e o quinto de répteis já descritos pelo homem no planeta. Por isso, a responsabilidade em termos de conservação desses animais é grande e cabe ao zootecnista estar bem preparado para, ao lado de outros profissionais, cuidar dessa tarefa.
“A cada dia, torna-se mais evidente a necessidade da intervenção de profissionais habilitados e capacitados para atuar em instituições dedicadas à pesquisa a campo ou a manutenção de espécies em cativeiro, constituindo assim um banco genético viável para garantir a sobrevivência das gerações futuras”, explica o zootecnista e professor da Universidade de Marília (Unimar) Luiz Antonio da Silva Pires.
Mas a preocupação com a capacitação de profissionais para atender a essa demanda não vem de agora. No início dos anos 80, as faculdades de Zootecnia e de Medicina Veterinária do Brasil já começaram a incluir em suas grades curriculares disciplinas que possibilitavam a capacitação dos futuros profissionais para essa área.
“Hoje, o zootecnista está presente em diversas instituições que trabalham com a fauna selvagem, como zoológicos, universidades, centros de pesquisa e organizações não governamentais. Na manutenção ex-situ, é um profissional imprescindível para o sucesso do manejo, uma vez que a nutrição animal pode ser considerada o grande desafio a ser enfrentado para o sucesso reprodutivo das espécies fora de seu ambiente natural. Afinal, é muito difícil oferecer a esses animais em cativeiro um alimento igual ao que eles obtêm na natureza”, explica Pires.
Como exemplo, o professor cita o caso do tamanduá bandeira (Myrmecophaga tridactyla). O animal alimenta-se exclusivamente de formigas e cupins, o que torna a dieta em cativeiro praticamente impossível. “Esse exemplo se repete com diversas outras que evoluíram dentro de ecossistemas próprios e hoje precisam ser mantidas em cativeiro para sobreviverem”, diz ele.
Pires aconselha o futuro profissional que pretende atuar nessa área a complementar o que a universidade já oferece com estágios em instituições que trabalham com a fauna selvagem. Dessa forma, o aluno poderá conhecer as diferentes possibilidades de atuação do zootecnista no manejo de animais selvagens.
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