Zootecnista explica como executar vacinação eficaz e com respeito

02/03/2016 14:55

Regras do bem-estar animal se aplicam também no momento de imunizar o rebanho

Marcela Caetano

Obrigatórias ou não, as vacinas são eficiente estratégia de prevenção de doenças no rebanho leiteiro. Para garantir que funcionem, porém, é preciso que sejam aplicadas de forma adequada e no período correto. Por isso, é essencial que as propriedades tenham um calendário de vacinação. “Muitas propriedades nem sequer contam com programa sanitário para o rebanho. A vacinação contra brucelose, por exemplo, apesar de obrigatória, ainda não é feita em bezerras por muitos produtores, um problema muito sério”, diz o Zootecnista Mateus Paranhos, do Etco – Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal. Um programa sanitário compreende, além de um calendário de vacinação, todas as ações necessárias para reduzir o risco de doenças, como aplicação de medicamentos e outras medidas para evitar a contaminação dos animais.

Conforme Paranhos, a falta de informação e dificuldades na gestão das fazendas podem fazer com que o produtor não busque as orientações necessárias para desenvolver o programa. “Isso exige planejamento, primeiro porque há um calendário oficial de vacinação a ser cumprido (veja tabela na pág. 43). e, segundo, porque algumas das vacinas devem ser aplicadas em fases específicas do desenvolvimento do animal”, observa. “Não ter esse controle aumenta o risco de os animais contraírem doenças e afeta as finanças da propriedade. Em casos como a brucelose, por exemplo, isso pode levar ao descarte do animal.”

O veterinário Antônio Cândido de Cerqueira Leite Ribeiro, da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora, MG, destaca que o calendário de vacinação deve ser elaborado com o apoio de um veterinário e conforme as necessidades do rebanho. No entanto, salienta, é fundamental vacinar os animais contra aftosa e brucelose, que são obrigatórias, e contra raiva e  carbúnculo sintomático. A vacina contra aftosa é feita em duas etapas por ano, previstas para os meses de maio e novembro – de acordo com o calendário de cada Estado, definido pelo Ministério da Agricultura. Também depende desta programação se a dose será administrada em animais de até 24 meses ou em todo o rebanho. “Sou da época em que a aftosa arrasava com rebanhos. A doença foi perdendo importância à medida que foi sendo controlada, mas o produtor deve continuar atento”, destaca Ribeiro, que acredita que o acesso à assistência técnica permite ao produtor compreender melhor a importância de vacinar o rebanho.

Já a vacina contra brucelose é obrigatória somente para as fêmeas na idade entre três e oito meses de idade. Não é indicado vacinar fêmeas acima disso, pois há risco de o exame dar positivo e, com isso, o animal ter de ser abatido. A vacina contra raiva deve ser aplicada anualmente, principalmente nas regiões em que há surto. Por fim, a vacina contra o carbúnculo sintomático deve ser administrada em animais acima de três meses de idade com repetição de seis em seis meses até os dois anos de idade.

Há outras vacinas que podem compor um calendário de vacinação, como a para prevenir leptospirose, rinotraqueíte infecciosa dos bovinos (IBR) e diarreia bovina viral (BVD), indicadas para cada caso e pelo veterinário responsável. “Isso varia de acordo com cada propriedade”, pondera Ribeiro.

Uma vez definida a data e a vacina a ser aplicada, é importante garantir as condições adequadas para que as doses sejam administradas e os animais, protegidos. Isso implica programar o processo de vacinação dos animais de forma a ser um procedimento o menos estressante possível, seguindo o manejo racional de animais. O professor Mateus Paranhos, do Etco, elaborou em 2014 uma cartilha que orienta a vacinação de bovinos leiteiros. “A resposta imune do animal depende de muitas coisas e o estresse é um dos fatores que inibem essa resposta”, diz. 

“No caso do bovino leiteiro, isso afeta também a produção de leite”, pondera Murilo Quintiliano, zootecnista e diretor executivo da FAI do Brasil, empresa que atua no treinamento e consultoria para bem-estar animal. O manual destaca como pontos potencialmente estressantes durante a vacinação itens como a contenção e a aplicação da vacina. Quintiliano explica que o ideal é que o produtor tenha um curral de manejo para tarefas como vacinação e aplicação de medicamentos, por exemplo, com manga, seringa, e um tronco de contenção.  O tronco de contenção permite imobilizar o animal para que o manejo seja feito sem riscos. “Ter uma estrutura adequada é um ponto importante quando se pensa na segurança do animal e também na do trabalhador”, complementa Paranhos.

A cartilha do Grupo Etco orienta que os animais devem ser levados, um a um, ao tronco de contenção, sem pressa, gritos, ameaças ou choques. Além disso, as estruturas de contenção ou porteiras não devem ser jogadas sobre o corpo dos animais. Quando os bovinos são mais reativos ou a ação exigir uma contenção mais firme, como no caso da aplicação de injeções intravenosas, o cabresto pode ser utilizado em complemento à contenção. Um exemplo são animais com chifres, que exigem cuidado extra.

Seguir essa orientação foi o caminho escolhido pelo produtor Geraldo Paulo de Lima, de Descoberto, a 70 quilômetros de Juiz de Fora, MG. Entre 1983 e 2002, ele trocou a produção de leite pela pecuária de corte. Há 15 anos voltou a trabalhar com vacas leiteiras e herdou da empreitada um tronco de contenção. O investimento tornou a rotina da fazenda muito mais prática quando o assunto é vacinação.

Até então, os animais eram vacinados em troncos coletivos (bretes). “Muitas vezes acontecia de o animal deitar no tronco e termos de desmontar tudo para retirá-lo”, recorda Lima. Ele mantém 400 vacas, entre mamando e caducando, na propriedade de 90 hectares e administra vacinas contra aftosa, leptospirose, carbúnculo e manqueira, conforme planejamento elaborado pelo veterinário.  “A nova estrutura se pagou com folga, já que a utilizamos pelo menos uma vez por mês, sempre que o veterinário vem para fazer ultrassom para verificar prenhezes e o período fértil de novilhas, além das vacinações, claro.”

Em muitos casos, porém, tal estrutura não está disponível. Mas, ainda assim, é possível obter bons resultados. “Uma das razões é o produtor acreditar que uma estrutura adequada para manejar bovinos leiteiros não é necessária, pois eles são mansos. Acham também que o investimento é elevado”, diz Quintiliano. “Mas, independentemente de comprar a instalação ou adaptar uma que já tenha na fazenda, o importante é que tenha um espaço para o tratamento individual dos animais, porque com os animais juntos o risco para o trabalhador e para o animal é maior”, completa.

Se não houver tronco de contenção individual, é possível utilizar o tronco coletivo (brete) para a vacinação. Nesses casos, o produtor deve ficar atento ao número de animais a serem colocados no tronco. A intenção é reduzir a possibilidade de movimentos dos animais enfileirados, mas sem causar amontoamentos. “Não há uma regra quanto ao número de animais, já que há muita variação nas dimensões dos troncos. Em algumas fazendas, os produtores colocam mais animais para evitar que eles se mexam. Se um deles cair, porém, os outros vão pisoteá-lo. Por isso, o ideal é que o tronco coletivo não fique muito cheio”, diz Paranhos.

Caso o produtor não conte com nenhuma dessas estruturas, o cabresto pode ser utilizado para conter animais mansos. Paranhos orienta que a corda deve ser curta e o animal amarrado bem próximo do local escolhido. “É importante escolher um local capaz de resistir à força que o animal poderá fazer caso reaja ao procedimento”, observa Paranhos. O cabresto pode ser feito com uma corda, desde que seja de material de qualidade, ou pode ser o utilizado para conduzir o animal em competições, acrescenta Quintiliano. O uso de cabrestos de correntes não é indicado, pois pode machucar seriamente o animal em caso de reações mais graves.

Embora seja uma saída utilizada por produtores de menor porte, aproveitar a sala de ordenha para vacinar não é indicado. “Como o bovino tem uma capacidade de aprendizado e associa coisas, se você quer que ele vá com tranquilidade para a sala de ordenha deve evitar fazer qualquer manejo agressivo lá dentro”, orienta Quintiliano. “Isso acontece mais em propriedades pequenas, embora não seja tão comum. Em geral, os produtores médios e grandes contam com troncos – coletivo ou de contenção _  e, quem não possui, opta mesmo por amarrar o animal”, observa Paranhos.
Além das instalações para vacinação, Quintiliano destaca outros pontos fundamentais para a aplicação correta de vacinas. “É preciso muito cuidado com a higiene. Você coloca a substância fora se a vacinação não for feita com os cuidados neste sentido”, observa. A orientação é que seja utilizada uma agulha por animal. A desinfecção das seringas e das agulhas deve ser feita antes e após a utilização, ou ainda durante, se for preciso. As seringas e agulhas devem ser colocadas em água fervente por pelo menos 20 minutos. Uma desinfecção mal feita pode  aumentar o risco de ocorrência de abcessos no local da aplicação da vacina. “Quando se injeta qualquer substância em um animal se coloca um corpo estranho dentro dele e abre-se a porta para micro-organismos”, acrescenta Paranhos.

É importante lembrar que cada vacina exige um cuidado especial na aplicação. A de brucelose, por exemplo, é composta pelo vírus ativo da doença e pode contaminar a pessoa responsável por aplicá-la, que deve estar protegida com luvas descartáveis e óculos, além de contar com supervisão de um médico veterinário. A refrigeração das doses, não apenas na fazenda, até o momento da aplicação, como no transporte, exige atenção, assim como o equipamento para aplicação (pistola, agulha, seringa). “É importante ter equipamento reserva, para evitar que o procedimento demore mais que o necessário. Para cada tipo de vacina a ser aplicada é preciso ter um equipamento completo de reserva”, destaca Quintiliano.

Também é necessário observar o local de vacinação, que deve ser sempre no pescoço. O pescoço tem de ser higienizado com água e álcool. As vacinas podem ser aplicadas via subcutânea – sob a pele – ou intramuscular, no músculo. “Sempre que possível, opte pela subcutânea”, sugere o Zootecnista Paranhos.              

 

Passo a passo da vacinação

O "Manual de Boas Práticas de Manejo de Vacinação de Bovinos Leiteiros", elaborado por Mateus Paranhos da Costa e Daniella Battaglia (disponível gratuitamente no site www.grupoetco.org.br), aborda todas as etapas necessárias para que a vacinação seja feita de forma segura e eficiente. Entre as orientações, algumas dicas facilitam. Uma delas é fazer com que o animal associe esse manejo a algo positivo. "Ofereça, por exemplo, um pouco de ração para os animais logo após a vacinação, para que eles não tenham memória apenas da dor e do estresse."

1. Antes de iniciar a vacinação, verifique se está tudo em ordem com instalações e equipamentos;

2. Leve vacinas e equipamentos para o curral. Mantenha os frascos e seringas protegidos do sol, dentro de uma caixa térmica com gelo, com temperatura entre 2 e 8ºC. Nunca congele vacinas;

3. Prepare seringas e agulhas e coloque água para ferver. Encha a seringa;

4. Conduza os animais para o curral com calma, sem correr nem gritar. Sempre que possível use um "guia" (uma pessoa que vai à frente do rebanho, chamando os animais);

5. Não misture grupos de vacas e bezerros dentro do curral. Use piquetes próximos ao curral para manter os animais enquanto esperam o início e o fim da vacinação;

6. Trabalhe com grupos pequenos de animais (de 8 a 12) e evite manter animais isolados;

7. Quando tudo estiver pronto para a vacinação, conduza os animais um a um para o tronco de contenção;

8. Não bata as porteiras nem as estruturas no corpo do animal;

9. Contenha os animais de forma correta e com cuidado. Bezerros jovens devem ser contidos com as mãos;

10. Não faça descorna, castração ou desmama junto com a vacinação;

11. Após a contenção, use o lado mais conveniente ou confortável para fazer a vacinação. Nunca passe o braço por entre as barras do tronco; sempre abra a janela (ou porteira) para ter acesso ao pescoço do animal;

12. Injete a vacina sempre no pescoço. Use agulhas específicas para cada tipo de vacina e para a categoria animal;

13. Para aplicação subcutânea, coloque a seringa em posição paralela ao pescoço do animal, puxe o couro, insira a agulha e injete a vacina;

14. Para intramuscular, segure a seringa em posição perpendicular ao pescoço do animal, insira a agulha no músculo, verifique se não está dentro de um vaso sanguíneo e injete;

15. Ideal é usar uma agulha por animal. Troque a agulha a cada aplicação e coloque as agulhas usadas para ferver por pelo menos 20 minutos;

16. Pegue uma agulha limpa e desinfetada e coloque na seringa. Nunca insira uma agulha suja no frasco;

17. Após a vacinação, solte o animal, começando pelo corpo, em seguida o pescoço e, finalmente, abra a porteira de saída;

18. Conduza o próximo animal para o tronco de contenção;

19. Quando não houver tronco de contenção, vacine os animais no tronco coletivo, e na falta deste, contenha os animais usando um cabresto (apropriado apenas para animais mansos);

20. Ao fim do trabalho, limpe as instalações e os equipamentos e coloque as seringas e todas as agulhas em água fervente por pelo menos 20 minutos;

21. Para descartar agulhas e seringas, embale-as em caixas ou tubos e coloque o material embalado em um local apropriado e seguro.

* Matéria originalmente publicada na Revista Mundo do Leite de ago/set (páginas 40 a 43).

Zootecnista Mateus Paranhos

 

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